segunda-feira, 6 de julho de 2009

LIVRO DIDÁTICO: do ritual de passagem à ultrapassagem


Ezequiel Theodoro da Silva*

À fina força dos costumes
Antes de adotar um livro didático,
pergunte criticamente
se não vais ser um professor apático!

Costumo dizer que, para uma boa parcela dos professores brasileiros, o livro didático se apresenta como uma insubstituível muleta. Na sua falta ou ausência, não se caminha cognitivamente na medida em que não há substância para ensinar. Coxos por formação e/ou mutilados pelo ingrato dia-a-dia do magistério, resta a esses professores engolir e reproduzir a idéia de que sem a adoção do livro didático não há como orientar a aprendizagem. Muletadas e muleteiros se misturam no processo...
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Costumo lembrar que o livro didático é uma tradição tão forte dentro da educação brasileira que o seu acolhimento independe da vontade e da decisão dos professores. Sustentam essa tradição o olhar saudosista dos pais, a organização escolar como um todo, o marketing das editoras e o próprio imaginário que orienta as decisões pedagógicas do educador. Não é à toa que a imagem estilizada do professor apresenta-o com um livro nas mãos, dando a entender que o ensino, o livro e o conhecimento são elementos inseparáveis, indicotomizáveis. E aprender, dentro das fronteiras do contexto escolar, significa atender às liturgias dos livros, dentre as quais se destaca aquela do livro “didático”: comprar na livraria no início de cada ano letivo, usar ao ritmo do professor, fazer as lições, chegar à metade ou aos três quartos dos conteúdos ali inscritos e dizer amém, pois é assim mesmo (e somente assim) que se aprende.
Costumo esclarecer que à perda crescente da dignidade do professor brasileiro contrapõe-se o lucro indiscutível e estrondoso das editoras de livros didáticos. Essa história começa a ser assim no início da década de 70: a ideologia tecnicista sedimentou a crença de que os “bons” didáticos, os módulos certinhos, os alphas e as betas, as receitas curtas e bem ilustradas, os manuais à Disney etc... seriam capazes – por si só – de assumir a responsabilidade docente que os professores passavam a cumprir cada vez menos. Quer dizer: à expropriação das condições de trabalho no âmbito do magistério correspondeu um aumento gigantesco nas esferas da produção, da venda ou distribuição e do consumo de livros e manuais didáticos pelo País.
Costumo ainda mostrar que esse apego cego ou inocente a livros didáticos pode significar uma perda crescente de autonomia por parte dos professores. A intermediação desses livros, na forma de costume, dependência e/ou “vício”, caracteriza-se como um fator mais importante do que o próprio diálogo pedagógico, que é ou deveria ser a base da existência da escola. Resulta desse lamentável fenômeno uma inversão ou confusão de papéis nos processos de ensino-aprendizagem, isto é, ao invés de interagir com o professor, tendo como horizonte a (re)produção do conhecimento, os alunos, por imposição de circunstâncias, processam redundantemente as lições inscritas no livro didático adotado. Dentro desse circuito, onde esse tipo de livro prepondera mais que o professor e reina absoluto, o ensino vira sinônimo de “seleção/adoção” dos disponíveis no mercado; a aprendizagem, de consumo semestral ou anual do livro indicado, sem direito à reclamação no Procon...


NO COMEÇO, A LEITURA
Regina Zilberman*

Um dos primeiros livros didáticos a circular no Brasil deve ter sido o Tesouro dos meninos, obra traduzida do francês por Mateus José da Rocha (Silva, 1808-1821)1 . Na mesma linha, a Impressão Régia publicou Leitura para meninos, “coleção de histórias morais relativas aos defeitos ordinários às idades tenras e um diálogo sobre a geografia, cronologia, história de Portugal e história natural”(Cabral, 1881). A primeira edição data de 1818, sendo organizador do livro José Saturnino da Costa Pereira.
Alfredo do Vale Cabral registra reedições de Leitura para meninos em 18212 , 1822 e 1824, fato raro, pois a Impressão Régia dificilmente reimprimia obras de seu catálogo. A novidade talvez se deva à circunstância de que Leitura para meninos encontrou seu público entre as crianças que aprendiam a ler, assimilavam padrões morais e estudavam os conteúdos de disciplinas curriculares, como geografia, cronologia, história de Portugal e história natural.

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1 Em 1836, o livro foi reeditado pela Tipografia Pillet Ainé. Composto originalmente por Pedro Blanchard, chamou-se nesse ano Tesouro dos meninos: obra clássica dividida em três partes: moral, virtude, civilidade, “vertida em português e oferecida à mocidade estudiosa, por Mateus José da Rocha” (RAMOS, 1972).
2 A edição de 1821 apresenta ligeira diferença no título: denomina-se Leituras para os meninos, “contendo um silabário completo, uma coleção de agradáveis historietas próprias à primeira idade e um diálogo sobre a geografia, cronologia, história de Portugual e história natural ao alcance dos neninos”.








Um comentário:

  1. Oi Ítalo,sou a Catiane estou formando em LETRAS,e por isso li sua postagem e gostei muito aliás eu dei uma espiadinha pois procuro textos relacionado ao livro diático do autor Theodoro silva,e por acaso vi sua postagem,como eu gostaria de ser sua seguidora mas meu blog é do blogspot,que pena mas sempre estarei passando por aqui.Parabéns pois você escreve muito bem gostaria de ter um colega assim estudando comigo na minha sala rsrsrsrs,estou na minha última etapa e não esta nada fácil concluir o curso a tal monografia deixa qualquer um louco.Abraços Catiane meu blog é cantinhodacat.blogspot.com

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